domingo, 20 de julho de 2014

CEDIR no Instituto Diocesano de Teologia, em Barra Mansa

O Candomblé e a Wicca foram temas de aula no Instituto Diocesano de Teologia Monsenhor Barreto, em Barra Mansa. Parte da disciplina "Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso", ministrada pelo professor Giovanni Battilana, a matéria sobre religiões não cristãs foram debatidas com os alunos, contando com a presença de religiosos.

Candomblecista Márcia Meireles em debate com os alunos do IDT.


A coordenadora do CEDIR, Márcia Meireles, foi convidada pela aluna Jaqueline Defante para falar sobre algumas práticas religiosas no Candomblé, bem como sua experiência como religiosa e a forma como vivencia a espiritualidade. O encontro foi no dia 04 de abril. 

Sobre o Candomblé, religião de origem africana, Márcia foi bastante enfática ao dizer que "o preconcento é fruto da ignorância e no caso das religiões afro, acrescente-se aí uma boa dose de racismo. Há uma tendência a depreciar tudo o que vinha e vem do negro, inclusive sua cultura e sua religião. Candomblé, logo após a abolição, era assunto de polícia. Até hoje, nos museus da polícia Civil do Estado Rio de Janeiro ou da Bahia, há muitos objetos ritualísticos em exposição, que foram apreendidos. Esses artefatos seriam provas da suposta deliquência ou anormalidade mental da comunidade negra. Na Bahia, o Instituto Nina Rodrigues mostra exatamente isso: que o negro era mentalmente inferior, portador de um distúrbio psíquico por ter sua própria crença, seus próprios valores, sua liturgia e seu culto."
 
Confraternizando após o debate
"O diálogo inter-religioso traduz a riqueza de um novo aprendizado: a relação com a diferença e com a alteridade significa a “apropriação de outras possibilidades” e a “abertura à mútua transformação”. Esse desafio dialogal, complexo e laborioso é imprescindível para as religiões. Na ausência desse intercâmbio criativo, as religiões fragilizam-se, carecendo da atmosfera essencial para a sua afirmação e crescimento." (Professor Faustino Teixeira)


 Já no dia 06 de junho, os wiccanos foram convidados para palestrar sobre a tão falada, mas pouco conhecida religião Wicca. Os sacerdotes Og Sperle e Jussara Gabriel, da União Wicca do Brasil - UWB, convidados através do CEDIR, vieram do Rio de Janeiro especialmente para falar sobre suas experiências religiosas, esclarecendo os mitos sobre bruxaria e magia, explicando de forma bem didática.


Sacerdote Og Sperle e Sacerdotisa Jussara Gabriel, da UWB
A Wicca é uma religião neopagã, politeísta, de culto basicamente dualista, que crê tradicionalmente na Mãe Tríplice e no Deus Cornífero, ou religião matriarcal de adoração à deusa mãe. Estas duas deidades são muitas vezes vistas como faces de uma divindade panteísta maior, ou que se manifestam como várias divindades politeístas. A Wicca também envolve a prática ritual da magia, em grande parte influenciada pela magia cerimonial do passado, muitas vezes em conjunto com um código de moralidade liberal conhecida como a Wiccan Rede, embora não seja uma regra. Embora algumas tradições adorem o celta Cernuno, símbolo da virilidade.

Existem diversas tradições dentro da Wicca. Algumas, como a Wicca Gardneriana e a Alexandrina,
Presidente da União Wicca do Brasil, sacerdote Og Sperle

seguem a linhagem iniciática de Gardner; ambas são frequentemente denominadas de wicca tradicional britânica, e muitos dos seus praticantes consideram que o termo "Wicca" possa ser aplicado unicamente a elas. Outras, como o cochranianismo, Feri e a Tradição Diânica, tomam como principal influência outras figuras e não insistem em qualquer tipo de linhagem iniciática.

Alguns destes não usam o termo "Wicca", preferindo "Bruxaria", enquanto outros crêem que todas estas tradições podem ser consideradas wiccanas


Para encerrar, o acolhimento fraterno dos alunos do Institituto Diocesano de Teologia, com um delicioso café.


domingo, 8 de junho de 2014

MOVIMENTO POVO DE SANTO OCUPA BRASÍLIA

O Coletivo de Estudos e Diálogo Inter-religioso CEDIR é solidário a este movimento, repudiando todo e qualquer ato de intolerância religiosa, proselitismo e fundamentalismo religioso.
Enquanto as autoridades tratarem a violência oriunda de preconceito religioso como um delito menor, veremos esses assassinatos impunes. O mais grave é que este tipo de crime não consta sequer das estatísticas.
Mas estamos atentos.
E acreditamos, acima de tudo, que o mal não poderá jamais vencer o bem.


quarta-feira, 28 de maio de 2014

O CANDOMBLÉ QUE EU ACREDITO

Desconheço a autoria, mas compartilho com todos a essência do que seja o Candomblé, visto por um adepto. E se isso tudo o que está aqui não pode ser considerado, ainda, religião, eu não consigo entender o que é ligar-se ao Sagrado. 

O CANDOMBLÉ QUE EU ACREDITO 



O Candomblé que eu acredito é aquele construído por todos, espaço e tempo de continuar...

O Candomblé que eu acredito abomina a feitiçaria, o topa tudo por dinheiro, o materialismo desenfreado...

O Candomblé que eu acredito tem no Òrìsà o início, o fim e o meio, último e único recurso...

O Candomblé que eu acredito é o das velhas e negras senhoras, de fé inabalável e sabedoria que brota das raízes...

O Candomblé que eu acredito adora árvores como deuses, e tem na vida seu bem supremo...

O Candomblé que eu acredito é aquele onde o rechilieu não suplanta valores e onde não se substitui a forma pelo conteúdo...

O Candomblé que eu acredito resistiu à escravidão, ao porrete da polícia, a marginalização e demonização sempre lhe imputada...

O Candomblé que eu acredito se faz no dia-a-dia, na convivência, na tolerância com o irmão, na humildade, e numa infinita paciência consigo e com os outros...

O Candomblé que eu acredito não é um modismo, um suvenir, algo descartável que jogamos fora quando não nos serve mais...

O Candomblé que eu acredito não é um show de estética extravagante, circo dos incautos, mas um ritual de celebração a vida...

O Candomblé que eu acredito é uma experiência vivida de amor pleno ao Deus Pai e Mãe, dentro e fora de nós...."

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Martin Niemöller e Eduardo Alves da Costa



Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram
meu outro vizinho que era comunista.

Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram
e levaram meu vizinho católico.

Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar...

Martin Niemöller - 1933 - Símbolo da resistência aos nazistas.



No caminho com Maiakovski
(Eduardo Alves da Costa)

Na primeira noite, eles se aproximam
e roubam uma flor
de nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.
__________________
O poema de Eduardo Costa guarda semelhança com o do pastor Martin Niemöller e com a poesia de Maiakovski, que inspirou Costa. Os dois, excelentes, nos lembram para manter aceso o sentimento de indignação e nunca se acomodar.

domingo, 25 de maio de 2014

Símbolo do CEDIR é o Adinkra MPATAPO, o nó da reconciliação e da paz

         


                    Os Adinkra são ideogramas que compõem um antigo sistema de escrita dos povos akan, da África ocidental (atual República de Gana, Togo e parte da Costa do Marfim). Os mais de 80 símbolos desse conjunto epistemológico transmitem aspectos da história, da filosofia e dos valores socioculturais dos povos africanos. Cada símbolo está associado a um provérbio ou ditado específico, enraizado na experiência dos akan. O conjunto desses símbolos, chamados adinkra, formam um sistema de preservação e transmissão dos valores acumulados pelos akan.




Esse conjunto de símbolos representam ideias expressas em provérbios. O adinkra é um entre vários sistemas de escrita africanos, fato que contraria a noção de que o conhecimento africano se resuma apenas à oralidade. Na verdade, a grafia nasce na África com os hieróglifos egípcios e seus antecessores. Diversos outros sistemas de escrita percorrem a história africana em todo o continente.


              Além da representação grafada, os símbolos adinkra são estampados em tecidos e adereços, esculpidos em madeira ou em peças de ferro para pesar ouro. Muitas vezes eles são associados com a realeza, identificando linhagens ou soberanos. O gwa, ou assento real, um banco esculpido, representa a soberania da nação ashante. Em muitos casos a imagem esculpida no gwa é a de um adinkra. Assim, o conceito de escrita expande-se para além da noção ocidental restrita apenas à letra grafada



sábado, 22 de março de 2014


Fé Bahá'í

Fé Bahá'í


A Fé Bahá'í é uma religião mundial independente, com suas próprias leis e escrituras sagradas, surgida na antiga Pérsia (atual Irã) em 1844. 

Foi fundada por Bahá’u’lláh, título de Mirzá Husayn Ali (1817-1892), e não possui dogmas, rituais, clero ou sacerdócio. 

Com aproximadamente 6 milhões de adeptos, é a segunda religião mais difundida no mundo, superada apenas pelo Cristianismo, conforme afirma a Enciclopédia Britânica. Os bahá’ís residem em mais de 170 países do mundo, em praticamente todos os territórios e ilhas do globo. 

De acordo com os Escritos da Fé Bahá'í, o Convênio é um pacto entre Deus e a humanidade, previsto em cada revelação. Seu objetivo é tanto de garantir melhorias no mundo humano, prolongando os ensinamentos da religião, como evitar que uma nova revelação seja rejeitada pela humanidade no momento de seu surgimento. Assim, o Convênio é o acordo para que a humanidade reconheça o Manifestante de Deus para sua época, assim como o próximo Manifestante que surgirá na época seguinte.

Acreditamos que o Convênio de Deus com a humanidade chegou ao seu ápice atual com a revelação de Bahá'u'lláh, quando Ele estabelece o Convênio de maneira tanto conceitual quanto formal e define os meios para que não haja divisões da religião. Seguindo os Escritos, a força deste Convênio é explicitada por Bahá'u'lláh quando diz que este é "o Dia que não será seguido pela noite".

Neste aspecto, o que antes dera origem a divisões nas religiões anteriores, como no Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, e até mesmo na Fé Babí, não pode mais se tornar causa de divisão na Fé Bahá'í. Essas divisões são comumente conhecidas como seitas; porém, as seitas não são a única maneira em que as religiões são alteradas ou corrompidas de seu aspecto original. A Casa Universal de Justiça reforça esse conceito dizendo: "A Fé Bahá'í não deixou de ter homens ambiciosos que tentaram se apossar das rédeas da autoridade e deturpar a Fé para seus próprios fins, porém sempre se despedaçaram e destituíram suas esperanças na rocha do Convênio."

            A Revelação de Bahá'u'lláh é vasta. Seus ensinamentos estão reunidos em milhares de volumes, escritos tanto em Árabe quanto em Persa, e posteriormente traduzidos para os idiomas ocidentais por Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í. 

Na Fé Bahá'í não existe clero ou autoridade individual. O conselho administrativo internacional bahá'í é chamado de Casa Universal de Justiça. Trata-se de um corpo composto de nove membros eleitos a cada cinco anos pelos membros dos conselhos administrativos nacionais (Assembleias Espirituais Nacionais) de todo o mundo. Sua Sede permanente está localizada no Centro Mundial Bahá'í em Haifa, Israel.

O Brasil possui atualmente seis Conselhos Regionais Bahá'ís. Eles têm a função de auxiliar no desenvolvimento das ações de ensino da Fé e fortalecimento das comunidades locais nas regiões pelas quais são responsáveis, participando dos processos de planejamento das agências (incluindo os braços regionais do Instituto Ruhi de Capacitação e os Comitês de Ensino de Área) e realizando o acompanhamento ombro-a-ombro das Assembleias Locais. 

(Adaptado de textos disponíveis no sítio www.bahai.org.br)




sábado, 8 de março de 2014

WICCA

 WICCA


*Por Diogo Ribeiro e Og Sperle

          As pessoas procuram nas religiões as respostas às questões existenciais humanas, além de equilíbrio mental, conforto emocional e desenvolvimento espiritual. Quando a Wicca surgiu, na década de 50 do século passado, a sociedade não a levou a sério, e chegou a rotulá-la como mais um sistema mágico ou uma simples filosofia de vida. A Wicca é bem mais do que isso – É uma religião – e com o passar do tempo ela tem conquistado cada vez mais espaço e respeito.

          A Wicca é uma religião que estimula o desenvolvimento pessoal e coletivo, através de uma relação harmônica com o meio ambiente e da convivência pacífica entre as pessoas, pautada na tolerância e no respeito à diversidade. Na Wicca consideramos a natureza sagrada, pois enxergamos em seus ciclos e processos de transformação a própria manifestação dos deuses. Logo, acreditamos que ao celebrar esses ciclos, entramos em sintonia com a natureza e alcançamos um estado de comunhão com o divino. Percebemos o sagrado no todo e o vivenciamos em suas manifestações diárias, pois ele está em nós e ao nosso redor.

         

Crenças Wiccanas

       A Wicca é uma religião neopagã, mítica, politeísta, iniciática, de culto dualista e orientação matrifocal.

         A palavra paganismo vem do termo latino “paganni”, que significa “do campo”, referindo-se aos povos essencialmente agrícolas, seus costumes e crenças. Portanto, religiões pagãs eram todas aquelas onde se cultuavam os deuses da natureza e seus fenômenos, geralmente objetivando garantir boas colheitas. Como atualmente nossa sociedade não é mais basicamente agrária, e nem cultuamos os antigos deuses exatamente como no passado, hoje utilizamos o termo neopagão.

      Religiões míticas são aquelas baseada em algum sistema mitológico, onde os deuses são personagens em histórias que teriam acontecido no passado, mas que são relembradas e vivenciadas através de ritos e cerimônias. A wicca não tem uma mitologia única, pois cada tradição cultua diferentes panteões de deuses. O que todas as tradições têm em comum, independente de quais deuses cultuam, é que eles são os responsáveis pela sucessão dos ciclos sazonais.

          O politeísmo é a crença e culto em vários deuses, com atributos e personalidades próprias, em oposição ao conceito de Monoteísmo, que prega a existência de um único deus todo-poderoso.

       Religiões iniciáticas são aquelas onde é necessário passar por um determinado período de preparação e alguns ritos, para que uma pessoa possa ser considerada oficialmente um membro.

          O dualismo é a crença de que, dentro de tudo que existe no universo, existem forças opostas e complementares, como luz e trevas, masculino e feminino, yin e yang. Assim, a Wicca possui um culto dualista, porque, apesar de acreditarmos em vários deuses, durante nossas celebrações escolhemos um casal de deuses para representar a Grande Deusa Mãe, e sua contraparte, o Deus Cornífero.

        O matriarcado era uma estrutura de organização social presente na maioria das antigas civilizações. Nessas sociedades, a mulher tinha um papel de destaque, onde elas assumiam a liderança familiar e religiosa. O feminino era reverenciado pelo fato de somente as fêmeas serem capazes de dar à luz – um atributo mágico e sagrado da natureza, que é a Grande Deusa Mãe. Apesar disso, nessas sociedades, homens e mulheres eram tratados como iguais; diferente da atual sociedade patriarcal em que vivemos, onde a mulher é considerara inferior aos homens. Da mesma forma, na Wicca valorizamos a igualdade entre os gêneros. Os homens apenas precisam ter um respeito especial pelas mulheres, pois todos nasceram de uma mulher.

*Diogo Ribeiro é sacerdote wiccano. Og Sperle, sacerdote wiccano, presidente da União Wicca do Brasil - UWB. Artigo publicado no site da UWB http://uniaowiccadobrasil.org.br

quarta-feira, 5 de março de 2014

Respeito e Tolerância: Barack Obama

Barack Obama dando um show de tolerância e respeito para com as diferenças. 
 
Não à teocracia, não às bancadas religiosas, não à imposição de algumas crenças em detrimento de outras, não à subjugação do que é diferente. 
 
Aprendamos a ser políticos e a fazer política. 
 
Vale a pena assistir, são apenas 4 minutos!
 
 

segunda-feira, 3 de março de 2014

Qual é o lugar do religioso no mundo?

*Leonardo Boff

         Por mais que a sociedade se mundanize e, de certa forma, se mostre materialista, não podemos negar que vigora uma volta vigorosa do religioso, do místico e do esotérico nos tempos atuais. Temos a impressão de que existe um cansaço pelo excesso de racionalização e de funcionalização de nossas sociedades complexas. A volta do religioso apenas revela que no ser humano há uma busca por algo maior. Há um lado invisível no visível que gostaríamos de surpreender.

          Quem sabe não se encontre lá um sentido secreto que sacia nossa busca incansável por algo que não sabemos identificar. Nesse horizonte não confessional quiça faça sentido se falar do religioso ou do espiritual. Ele sofreu todo tipo de ataques mas conseguiu sobreviver. A primeira modernidade o via como algo pré-moderno, um saber fantástico que deve dar lugar ao saber positivo e crítico (Comte). Em seguida foi lido como uma enfermidade: ópio, alienação e falsa consciência de quem ainda não se encontrou ou caso se encontrou voltou a se perder (Marx). Depois, foi interpretado como a ilusão da mente neurótica que busca pacificar o desejo de proteção e tornar o mundo contraditório suportável (Freud). Mais adiante, foi interpretado como uma realidade que pelo processo de racionalização e de desencanto do mundo tende a desaparecer(Weber). Por fim, alguns o tinham como algo sem sentido, pois seus discursos não têm objeto verificável nem falsificável (Popper e Carnap).


          Estimo que o grande equívoco destas várias interpretações reside de no fato de colocarem o religioso num lugar equivocado: dentro da razão. As razões começam com a razão. A razão em si mesma não é um fato de razão. É uma incógnita. Ja rezava a sabedoria dos Upanishad:"aquilo pelo qual todo pensamento pensa, não pode ser pensado".Talvez nesse "não pensado" se encontra o berço da religioso, vale dizer, daquelas instâncias exorcizadas pela racionalidade moderna: a fantasia, o imaginário, aquele fundo de desejo do qual irrompem todos os sonhos e as utopias que povoam nossa mente, entusiasmam os corações, incendeiam o estopim das grandes transformações da história. Seu lugar reside naquilo que o filósofo Ernst Bloch chamava de princípio esperança .

          É próprio destas instâncias – do utópico, da fantisia e do imaginário – não se adequarem ao dado racional concreto. Antes, contestam o dado pois suspeitam que o dado é sempre feito; tanto o dado quanto o feito não são todo o real. O real é ainda maior. Pertence ao real também o potencial, o que ainda não é mas que pode vir a ser. Por isso, a utopia não se antagoniza com a realidade; revela a dimensão potencial e ideal desta realidade. Já dizia o sábio E.vDurkheim na conclusão de sua famosa obra As formas elementares da vida religiosa: "a sociedade ideal não está fora da sociedade real; é parte dela". E concluía:"somente o ser humano tem a faculdade de conceber o ideal e de acrescentá-lo ao real". Eu diria, de detectá-lo dentro do dado real, fazendo com que este real no qual está o ideal, seja sempre maior que o dado à nossa mão.

          É no interior desta experiência do potencial, do utópico que irrompe o fato religioso. Por isso dizia Rubem Alves, quem melhor no Brasil estudou o "enigma da religião"(título de seu livro):"A intenção da religião não é explicar o mundo. Ela nasce, justamente, do protesto contra este mundo que pode ser descrito e explicado pela ciência. A descrição científica, ao se manter rigorosamente nos limites da realidade instaurada,sacraliza a ordem estabelecida das coisas. A religião, ao contrário, é a voz de uma consciência que não pode encontrar descanso no mundo assim como ele é e que tem como seu projeto transcendê-lo".

        Por esta razão, o religioso é a organização mais ancestral e sistemática da dimensão utópica, inerente ao ser humano. Como bem dizia Bloch:"onde há religião, ai há esperança" de que nem tudo está perdido. Esta esperança é um amor por aquilo que ainda não é, "a convicção de realidades que não se veem" como diz a Epístola aos Hebreus(11,1) mas que são o fundamento do que se espera.

          Quem viu com lucidez esta singularidade do religioso foi o filósofo e matemático Ludwig Wittgenstein que disse: no ser humano não existe apenas a atitude racional e científica que sempre indaga como são as coisas e para tudo procura uma resposta. Existe também a capacidade de extasiar-se: "extasiar-se não pode ser expresso por uma pergunta; por isso não existe também nenhuma resposta". Existe o místico: "o místico não reside no como mundo é, mas no fato de que o mundo exista". A limitação da razão e do espírito científico reside no fato de que eles não têm nada sobre o que calar.

          O religioso e o místico sempre terminam no nobre silêncio, pois não existe em nenhum dicionário a palavra que o possa definir.

          Até aqui falamos do religioso em sua natureza sadia. Mas ele pode ficar doente. Daí nasce a doença do fundamentalismo, do dogmatismo e da exclusividade da verdade. Mas toda doença remete à saúde. O religioso deve ser analisado a partir de sua saúde e não de sua doença. Então o religioso sadio nos torna mais sensíveis e humanos. Sua volta sadia é urgente hoje, pois ele nos ajuda a amar o invisível e tornar real aquilo que ainda não é mas pode ser.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor, professor, ecologista. Escreveu "Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas",Vozes, 2011.

domingo, 2 de março de 2014

OS ANCESTRAIS DO VALONGO Centenário de Abdias do Nascimento

          O Ipeafro abre no dia 14 de março, em cerimônia no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, as comemorações do centenário de Abdias Nascimento, cujo calendário de atividades deve abranger as principais cidades do Brasil, além de eventos em outros países por onde Abdias atuou e construiu sua trajetória de lutas. 

          Artista, intelectual, ativista, parlamentar, militante, o legado de Abdias do Nascimento exemplo e inspiração na construção de uma sociedade mais justa, em tempos onde o racismo e o ódio de classes recrudescem no país. Este ano, o IPEAFRO passa a integrar a Rede Carioca de Pontos de Cultura, com o projeto IPEAFRO GRIOT ABDIAS NASCIMENTO, integrando e articulando ativamente a rede de Cultura Viva Comunitária do Brasil e da América Latina.
 
Viva Abdias e Abaixo a Intolerância! 


A COR DA FÉ - Relações estreitas entre intolerância, raça e religiões de matriz africana



A COR DA FÉ
Relações estreitas entre intolerância, raça e religiões de matriz africana

Artigo de Guilherme Lemos

Quando escuto notícias do tipo “Evangélicos tentam invadir terreiro em Olinda” ou “Traficante evangélico proíbe terreiros no Morro do Dendê”, me pergunto se os lideres religiosos estão realmente passando a mensagem escrita na bíblia ou se as pessoas se cegam diante de intolerâncias medíocres construídas outrora. Cresci num lar protestante e, mesmo me identificando hoje com religiões de matriz africana, faço questão de guardar mensagens para refletir episódios diversos na vida.

Lembro que o princípio teológico regente do cristianismo é a salvação pela fé, numa operação feita pelo Espírito Santo “... pela graça sois salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós é dom de Deus” (Ef 2:8). Diante disso, pergunto a alguns que se dizem cristãos: por que tomam o lugar de Deus tentando converter os outros a suas verdades se o próprio livro sagrado que seguem não lhes permite convencer ninguém? Não seria mais interessante exercer amor ao invés de perseguirem outras crenças? Parece-me que alguns estão muito ocupados com seu próprio umbigo, tão ocupados que só pensam na própria “prosperidade”. A ironia e a cegueira são tantas que destruir um templo umbandista e mantê-lo de portas fechadas é plausível ou ignorável, mas se torna um absurdo a forma como alguns países tratam os cristãos. Não percebem os fanáticos que incorrem no mesmo erro.

Os casos de intolerância religiosa registrados no país pelo “Disque 100” – ouvidoria vinculada à Secretaria de Direitos Humanos – subiram de 15 para 109 entre os anos de 2011 a 2012, sendo os representantes de religiões de matriz africana os mais atingidos. O motivo não poderia ser mais óbvio, em momentos anteriores da história, homens e mulheres africanos foram demonizados por teorias em voga no medievo, consequentemente suas crenças e cultura não escaparam desse olhar disforme que se propaga até os nossos dias. Vários documentos medievais referentes à África reforçam a ideia de que era uma terra corrompida, a terra onde “Satã se enfiou após a queda”, e para completar, interpretaram seus habitantes como os descendestes de Can – o filho de Noé amaldiçoado a servir eternamente seus irmãos (OLIVA,2008). Se você, leitor, se lembrou de Marco Feliciano não foi por acaso, é exatamente essa exegese medieval utilizada pelo indivíduo para justificar a “maldição” da pele negra. Ao fecharmos essa conta o resultado não é somente a moralização da cor da pele, é também a hierarquização das crenças de acordo com suas origens.

Impossível não dizer, por exemplo, que a destruição da imagem de Yemanjá em João Pessoa e em outras cidades não seja consequência da propagação dessas interpretações errôneas sobre as tradições africanas. Afinal, por que os kardecistas não sofrem tanto com a intolerância se comparados aos os umbandistas e candomblecistas? Por que não têm seus espaços invadidos e destruídos? Simples, por mais que ambas partam do princípio da existência de seres encarnados e desencarnados o kardecismo tem origem europeia, tem um “cânone”, um “código de ética”.

Minha esperança é que nesse dia 21 de janeiro (Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa) nossa dívida uns para com os outros não seja a destruição dos símbolos que importam a cada um em suas crenças, mas sim “o amor que não pratica o mal contra o próximo” (Rm 13:10).

“Axé pra quem é de axé
Saravá pra quem é de sarava
Aleluia pra quem é de aleluia
Amém pra quem é de amém
Shalom
Namastê
As-Salamu Alaikum”