A COR DA FÉ
Relações estreitas entre
intolerância, raça e religiões de matriz africana
Artigo de Guilherme Lemos
Quando escuto notícias do tipo “Evangélicos tentam
invadir terreiro em Olinda” ou “Traficante evangélico proíbe terreiros no Morro
do Dendê”, me pergunto se os lideres religiosos estão realmente passando a
mensagem escrita na bíblia ou se as pessoas se cegam diante de intolerâncias
medíocres construídas outrora. Cresci num lar protestante e, mesmo me
identificando hoje com religiões de matriz africana, faço questão de guardar
mensagens para refletir episódios diversos na vida.
Lembro que o princípio teológico regente do
cristianismo é a salvação pela fé, numa operação feita pelo Espírito Santo “... pela graça sois salvos, mediante a fé;
e isso não vem de vós é dom de Deus” (Ef 2:8). Diante disso, pergunto a
alguns que se dizem cristãos: por que tomam o lugar de Deus tentando converter
os outros a suas verdades se o próprio livro sagrado que seguem não lhes
permite convencer ninguém? Não seria mais interessante exercer amor ao invés de
perseguirem outras crenças? Parece-me que alguns estão muito ocupados com seu
próprio umbigo, tão ocupados que só pensam na própria “prosperidade”. A ironia
e a cegueira são tantas que destruir um templo umbandista e mantê-lo de portas
fechadas é plausível ou ignorável, mas se torna um absurdo a forma como alguns
países tratam os cristãos. Não percebem os fanáticos que incorrem no mesmo
erro.
Os casos de intolerância religiosa registrados no
país pelo “Disque 100” – ouvidoria vinculada à Secretaria de Direitos Humanos –
subiram de 15 para 109 entre os anos de 2011 a 2012, sendo os representantes de
religiões de matriz africana os mais atingidos. O motivo não poderia ser mais
óbvio, em momentos anteriores da história, homens e mulheres africanos foram
demonizados por teorias em voga no medievo, consequentemente suas crenças e
cultura não escaparam desse olhar disforme que se propaga até os nossos dias.
Vários documentos medievais referentes à África reforçam a ideia de que era uma
terra corrompida, a terra onde “Satã se enfiou após a queda”, e para completar,
interpretaram seus habitantes como os descendestes de Can – o filho de Noé
amaldiçoado a servir eternamente seus irmãos (OLIVA,2008). Se você, leitor, se
lembrou de Marco Feliciano não foi por acaso, é exatamente essa exegese
medieval utilizada pelo indivíduo para justificar a “maldição” da pele negra.
Ao fecharmos essa conta o resultado não é somente a moralização da cor da pele,
é também a hierarquização das crenças de acordo com suas origens.
Impossível não dizer, por exemplo, que a destruição
da imagem de Yemanjá em João Pessoa e em outras cidades não seja consequência
da propagação dessas interpretações errôneas sobre as tradições africanas.
Afinal, por que os kardecistas não sofrem tanto com a intolerância se
comparados aos os umbandistas e candomblecistas? Por que não têm seus espaços
invadidos e destruídos? Simples, por mais que ambas partam do princípio da
existência de seres encarnados e desencarnados o kardecismo tem origem
europeia, tem um “cânone”, um “código de ética”.
Minha esperança é que nesse dia 21 de janeiro (Dia
Nacional de Combate à Intolerância Religiosa) nossa dívida uns para com os
outros não seja a destruição dos símbolos que importam a cada um em suas
crenças, mas sim “o amor que não pratica
o mal contra o próximo” (Rm 13:10).
“Axé
pra quem é de axé
Saravá
pra quem é de sarava
Aleluia
pra quem é de aleluia
Amém
pra quem é de amém
Shalom
Namastê
As-Salamu Alaikum”
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