Por Ascom CEDIR
Crédito: xangorezandoalto.blogspot.com.br |
Há 102 anos, Maceió assistiu a um dos mais
emblemáticos – e tristes – episódios de intolerância religiosa no Brasil. Foi
no dia 1º de fevereiro de 1912, quando a Liga dos Republicanos Combatentes, de
oposição ao governo do Estado de Alagoas, incitou a população a destruir todas
as casas de culto afro-brasileiros da capital alagoana. O evento ficou
conhecido como ‘Quebra de Xangô’. Naquele dia, terreiros foram invadidos. Pais
e mães de santo foram espancados em praça pública. Seus objetos de culto e
roupas litúrgicas, retirados dos terreiros destruídos, foram queimados. Até
hoje não se sabe quantos terreiros foram atingidos, nem quantas pessoas foram
assassinadas.
Sabe-se,
porém, que a Liga dos Republicanos Combatentes era uma milícia armada, integrada
por operários e liderada pelo tenente reformado Manoel Luiz da Paz, veterano da
Guerra de Canudos. E que fez o que fez por conta de uma briga política entre a
oposição e o então governador de Alagoas, Euclides Vieira Malta. Às vésperas da
eleição, a oposição acusa Malta de recorrer aos terreiros para manter-se no
poder à custa de ‘feitiçarias dos Xangôs’. A 'denúncia', largamente noticiada
pelo Jornal de Alagoas – também de oposição –, desmoralizou o governador
perante a sociedade, exatamente da forma como a Liga desejava.
Crédito: Secom Governo de Alagoas |
Há séculos a sociedade brasileira é ensinada a classificar, ainda que inconscientemente, como 'sujo', 'demoníaco', 'feio' e 'vergonhoso' tudo o que vem da África -- incluindo as religiões. Por isso as notícias envolvendo o
governador Euclides Vieira Malta e a prática de cultos afro causou tanto
estardalhaço: porque já naquela época havia esta mentalidade e, portanto, era ‘um absurdo’ que um governador se prestasse ao papel
de recorrer a pais e mães de santo para o que quer que fosse.
Diante da
violência brutal a que foi submetido, tendo suas práticas religiosas expostas como algo menor, prejudicial e sem valor, o povo de santo sentiu medo. Nas
décadas seguintes, passou a se manifestar religiosamente de forma quase inaudível
– e, certamente, invisível. Yalorixás, babalorixás e filhos de santo passaram a
praticar uma modalidade de culto chamada ‘Xangô Rezado Baixo’, em segredo, sem
o uso de atabaques.
Embora
décadas tenham se passado desde o ataque, ainda hoje é possível observar as
consequências funestas da ‘Quebra de Xangô’: embora existam cerca de 2 mil
terreiros em todo o estado de Alagoas, umbandistas e candomblecistas pouco se
expõem (fenômeno, verdade seja dita, que acontece também em outros estados da federação: estão aí os dados do IBGE que não nos deixam mentir). Apenas em 2012, quando o ataque completou 100 anos, o Poder Público se
posicionou sobre o episódio; foi quando o atual governador de Alagoas, Teotônio
Vilela Filho, assinou um pedido de perdão oficial a todas as comunidades de
terreiro do estado pela barbárie ocorrida naquele 1º de fevereiro.
A partir
disso, um festival de afirmação dos cultos afro-brasileiros foi idealizado. Batizada
de ‘Xangô Rezado Alto’, a iniciativa, promovida pela Universidade Estadual de
Alagoas (UNEAL), visa a recuperar o passado e também a autoestima dos
religiosos que, por medo, deixaram de assumir e praticar sua fé publicamente.
Mais que isso: tem o objetivo de lembrar ao Poder Público que não deve, jamais, fechar os
olhos diante das injustiças. Se antes Xangô era rezado baixo, desde 2012 Xangô
é rezado em alto e bom som – em praça pública, numa festa de devoção e
liberdade, por pessoas que aprenderam que não devem jamais sentir vergonha ou
medo de professar publicamente sua fé.
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